O vento frio sopra no rosto quando desço do ônibus e subo a rua.
Cheiro de pipoca... Chego na Osório, ando em direção à XV.
Vejo uma cartomante no lado esquerdo da calçada.
Imagino se ela consegue ver o futuro das pessoas que passam às pressas...
Sinto vontade de consultá-la, e sigo meu caminho.
Da última vez o chafariz estava vazio. Agora sou eu.
Um dia quero vir tirar fotos daqui...
Não gosto do homem que vende correntes no camelô à direita;
Gosto do que distribui rosas.
Se o relógio patrocinado pela GVT estiver certo, me atrasei.
Tenho fome, mas não tenho dinheiro nem tempo pra comer, dane-se o Giraffas.
Só acreditaria no talento do artista se visse o homem que foi retratado,
até encontrar os quadros à frente. Paro alguns segundos, observo, deslumbrada.
Sinto inveja mas não confesso. Só me atrasaria mais.
Nunca sei em que esquina preciso parar. Preciso olhar em volta.
To a fim de um All Star novo.
Parece que as coisas que me atraem se mantêm do lado esquerdo,
exceto pelo camelô.
E por uma empena cega que acabei de ver.
Queria ter pessoalmente no ouvido a voz que ouço, repetindo-se no refrão.
Vejo duas mulheres grávidas passeando, juntas, amigas.
As mulheres grávidas são muito mais bonitas.
Talvez se eu me mantivesse sempre grávida...
Sorrio sozinha com o pensamento. E agora está chovendo.
Encontro. Critico baixo a cor das paredes, enquanto subo as escadas.

Das escadas eu gosto.
Deve ser estranho eu ainda estar protegendo os cabelos com a pasta de EG,
quando já adentrei a sala de espera...
- Oi, tô muito atrasada?
- Não, tudo bem.

onde o céu é mais azul, 138

Em Bocaiúva do Sul, na casa da família materna, no meu antigo quarto, deitada sobre a minha cama. Pés descalços, apoio a cabeça no braço esquerdo e sempre assim. Não tem mais ninguém em casa. Vó Arminda me presenteou com um terço e foi à missa - é sexta-feira santa, para ela.
A lateral da cama encosta-se na parede de uma janela grande, que à tarde deixava o sol desbotar a minha ursa de rifa, Anita, mas também deixava observar a BR movimentada e, ao longe, a "montanha" que escalei tantas vezes, na infância, pra ver meu nome escrito à faca na arvorezinha. À noite, eu preferia esconder as luzes da rua com o black-out onde obrigava todos os amigos a escrever alguma coisa rápida. Tá lotado.
Nunca gostei da cor deste piso, já perdi muitas agulhas e tarrachas de brinco nele. Não guardei rancor. O prego que pendurava o quadro da foto em que eu bebê sorrio no gradil, agora é lugar do calendário 2009 do restaurante Vargas... isso sim, magoa.
Meu mundo tinha duas portas de acesso. A interna, de madeira, verniz escuro - cheia de marcas de fita adesiva que deixei quando resolvi arrancar os pôsteres adolescentes da minha vida -, estaria trancada toda vez que eu estivesse dentro. A externa, de vidro, sempre fechada, mas de cortina sempre aberta... pelo menos uma vez, ele me pegou espiando. 
Eu poderia ter limpado os respingos de tinta amarela que minha canetinha fez no teto, mas não limpei. Eu poderia ter trocado o interruptor também, e colocado algumas tomadas... mas não fiz. Acho que não fiz este quarto melhorar em nada, na verdade. Ele sim, me fez melhorar muito. Será que ficou alguma coisa de mim aqui quando fui embora?

Feliz aniversário atrasado, Boca.
Sinto saudade.
Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente.
Tchau, mãezinha, fui beijar o céu!
A vida não tem tamanho
É tudo luz e sonho...
Eu vou viver, vou sentir tudo
Eu vou sofrer, eu vou amar demais
A força que me conduz é leve e é pesada
É uma barra de ferro jogada no ar
Eu vou levando fé...
Já nem sei quanto tempo faz
Eu vou como quem se distrai
Vejo na cor de um som a cor que atrai
É tudo luz e sonho
E eu vou levando fé!

Cazuza